sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A Todas as Glórias do Sertão!

É bem verdade que eu já queria escrever esse texto antes de viajar. Pra disfarçar o motivo, vou dizer o que disse uma amiga: eu quero, porque quero, por querer.

Eu sabia de maneira quase esquecida que navegar é preciso. Agora eu entendo e sinto que navegar é fundamental. Porque eu não consigo entender o vermelho a partir das variações de suas tonalidades, eu entendo o vermelho a partir do que se contrasta a ele.

Então, navegar é preciso, e eu fui num pedaço do sertão da Bahia, não por decisão direta minha, mas porque foi precisão de força maior. E o sertão não é longe como os livros fazem parecer. Em três a quatro horas você chega lá.

Fui em Euclides da Cunha, Canudos, Uauá e Monte Santo e uns tantos povoados desses municípios. E eu consegui pensar e falar uma coisa que ainda não havia dito com maior certeza. Estão me pagando para fazer uma coisa que eu faria de graça.

Saí de Salvador com Maria, Anderson e quatro representantes da UNEB, sendo três professores e uma aluna. Aí... ai eu não sei... não sei por onde começar isso.

Paramos primeiro em Euclides da Cunha para almoçar e ter uma reunião com representantes de um povoado do município, Massacará. Meu primeiro susto: beeeem atrás da Igreja tava lá, toda pintada de vermelho uma sex shop, numa cidade de 56 mil habitantes. E logo quando entrei na cidade tinha uma padaria que o nome era “Padaria Pão Sem Drogas”. Porque em todas as outras padarias da cidade o pão vinha com drogas, claro. Euclides é praticamente uma Amsterdã.

Na reunião com os representantes de Massacará havia dois caciques dos índios Kaimbés (acho que escreve assim...). Um teria seus 20 e poucos anos e o outro devia estar na casa dos 60. Muito interessante foi a postura dos dois quanto à decisão de eles aceitarem ou não o projeto que a UNEB propunha para Massacará. O mais velho, ao final dos esclarecimentos disse logo: “nóis aceita”. O mais novo disse que só daria a resposta depois que conversasse com os outros moradores do povoado.

Depois de conversar com os Kaimbés, a gente foi para Bendengó encontrar Jotinha, que nos acompanharia na viagem até Canudos Nova. Uma figura esse cara, o jeito dele falar era uma delícia! Antes de chegar em Canudos Nova paramos em Canudos Velha, povoado às margens da Represa de Cocorobó, que inundou o sítio original de Canudos. O lugar é lindo, e eu não consegui fazer esforço para imaginar o massacre que houve ali.
Logo na entrada de Canudos Nova passamos pelo lugar de condições mais precárias da viagem, o bairro da Favela. Apesar deste lugar não estar dentro do projeto da UNEB (“turismo de fundamentação histórica e cultural”), eu e Maria paramos aí pra pegar algumas informações. Afinal, o que é turismo mesmo??

Depois fomos ao Jorrinho, junto da barragem de Cocorobó, onde reencontramos o pessoal da UNEB. E aí, amiguinho, expediente terminado, eu olho para cima e... uma puta bola gigante e amarela parecia que ia me levar! A lua cheia tava no primeiro dia, e aí era i-ne-vi-tá-vel pensar naquela música: “não há ó gente, ó não, luar como esse do sertão”.

Aliás, por falar em sertão, um parêntese: cada vez me convenço mais que os livros nos vêm na hora que precisamos. Pouquíssimos dias antes da apresentação do projeto da UNEB lá onde trabalho, eu tinha começado a ler Os Sertões. Pense numa coisa dessa... Aliás, várias coisas relacionadas ao sertão têm me envolvido nas últimas semanas. Por exemplo, assisti Deus e o Diabo na Terra do Sol e uma amiga me passou um CD de Elomar, o qual to ouvindo sem parar tem uma semana. Vai ter até show dele na sexta, bora??

Mas sim, voltando ao Jorrinho (ai meu Deus, acho que isso vai sair grande pra caramba...). Maria olha pra mim e pergunta se eu trouxe biquíni. Claro que não, ora! Ela me chama pra tomar banho no jorro. Porque não? Aí foi só trocar a calça por um short e fomos eu, ela e Anderson pra aquele banho de água gelada e de lua gigante. Pra não ser muito espalhafatosa só vou dizer uma coisa: revigorante, podia voltar pra Salvador andando!

No outro dia fomos cedo em direção a Caratacá, povoado de Uauá. No caminho de Canudos pra Uauá entendi direitinho o que disse Euclides sobre os sertões: “barbaramente estéreis; maravilhosamente exuberantes.” Canudos era lascas de pedra, cinza, vegetação esturricada. Em Uauá quase atolamos e a vegetação, cheia de flor, era de um verde que tinham acabado de pintar.

Primeira visão em Caratacá: carne de bode secando na frente de uma casa. Encontramos Gildemar, artista que seria nosso guia nesse município. Segunda visão: carcaça, pele de bode e urubus na praça principal do povoado. Ficamos pouco tempo, senti que deveríamos ter ficado um pouco mais. Entramos na casa de Seu Dedé pra dar uma olhada e terceira visão: carne de bode secando no quintal de casa. Nunca mais como bode.

Nesse povoado comecei a entender como é fácil entabular uma conversar com as pessoas daquela região. Isso por causa de um velhinho que parecia ter nascido com a idade que ele tem hoje. Você precisava ver o prazer com que ele falava comigo. Num outro povoado, Cocobocó, conhecemos D. Judite que falou de sua disposição em receber: “venha de onde vier, venha em paz”. E pense na gentileza das pessoas que conhecemos: Anderson queria comprar um doce de umbu (delícia!!) que D. Judite produzia, mas ela não aceitou pagamento. Maria perguntou se ali por perto tinha pé de umbu, porque ela queria pegar uns que ainda estavam pequenos. Não tinha. Perguntou sem pedir, mas, no caminho pra Uauá, Gildemar parou no meio da estrada e catou uns pra ela, e, claro, disse que o filho de Maria não ia nascer com cara de umbu.

Uauá, aliás, é o sucesso da Bahia! É o point do sertão! A gente foi no bar Bridas, que o pessoal da UNEB já conhecia. Chegando lá fomos apresentados a S., que é a bicha mais bem amada que eu já conheci. E o repertório foi maaaaaaassa, o DJ ia de Pink Floyd à tchuco tchuco. Você já ouviu a dança do estrupa?? “estrupa, estrupa, estrupa quem tá de amarelo!, estrupa quem tá de vermelho!!” Divertidíssimo, mas juro que consegui manter meus princípios! E nem me olhe torto porque tenho certeza que teu passado também te condena! Bem, se não condena, sinto muito.

No outro dia, apesar de tudo, estávamos lá, firmes e fortes indo em direção a Monte Santo. Paramos primeiro no povoado de Acarú, onde encontramos Ana, D. Júlia e Seu Dedega. Lá existem dois casarões preciosos! Eu não posso acreditar que o IPHAN não os conheça! Um tá melhor conservado porque uma família o ocupa faz 40 anos. Em frente a esse, o terreiro primorosamente varrido era um caso a parte. Aliás, as pessoas da roça no geral têm a frente da casa muito bem varrida e as panelas muito bem areadas. O segundo casarão era um abandono só. Não tinha a porta da frente, mas dava pra ver que era mais requintada que a outra.

No caminho de Acaru para Monte Santo D. Júlia (a olhei diferente quando ela disse que plantaria as sementes que tinha catado no chão em frente à Prefeitura. Pensei: num lugar público??) nos fez o favor de contar um pouco de sua história. Foi o que mais me emocionou na viagem e eu tenho que guardar essa história o máximo que puder. Não dá pra eu escrever o que ela disse, porque eu iria empobrecê-la drasticamente. Pra entender a história de D. Júlia tem que ouvir ela falando com os olhos rígidos, o peito um pouco ofegante e com a voz suave que se deixou embargar uma única vez e de modo quase imperceptível. Só acho que tenho que dizer que D. Júlia, 60 e poucos anos, de olhos belamente azuis, aprendeu a escrever em folha de incó (um mato que tem lá) e com espinho de mandacaru, perdeu a memória duas vezes e se formou na Universidade Federal da Bahia. Ela arrematou a história dizendo mais ou menos isso: eu tô contando isso pra vocês porque tudo (enfatizou o “tudo”) o que eu puder fazer pra quem tá precisando eu faço. Quando nos despedimos, ela me disse com voz mais suave e mais baixa, tocando de leve no meu ombro e me olhando daquele jeito: “não esqueça de mim não”. Deus...

Tenho que falar também de Seu Dedega. Eu quero um Seu Dedega de natal, eu quero! Você já assistiu Deus e o Diabo na Terra do Sol? Pois ele fez o papel do noivo que foi capado. E nós passamos com ele em frente ao lajedo que Glauber Rocha usou como palco no filme.

Seu Dedega é da elite de Monte Santo, mas de uma simplicidade e poesia que encantam. Ficou claro que havia uma grande cumplicidade fraternal entre ele e D. Júlia. Numa hora em que estávamos tratando de burocracia, ele fala que quando era menino gostava de sair correndo atrás dos redemoinhos para ver se ele conseguia voar. Poesia pura, e eu pensei imediatamente que eu morria de medo de redemoinhos.

No centro de Monte Santo um crime. Me colocaram uma concha acústica gigante que tapa e polui a visão do monte e da igrejinha que fica no topo dele. Como permitem? E tem também casa de três andares ajudando na poluição do lugar.

A última noite nós passamos em Euclides da Cunha, Amsterdã dos Sertões. E quem disse que domingo de noite não tem nada pra fazer no interior?? A praça da cidade tava lotada, e tivemos direito a ver briga de duas irmãs por causa de um cara. A praça in-te-i-ra vaiou ele! Fizemos uma coisa completamente fora de propósito. Tinha vários cartazes nos bares dizendo que naquele dia seria a entrega de prêmios do Festival de Teatro Não-Sei-Que. Pois lá fomos (eu, Maria e Anderson) pra tal entrega. Quando a gente chega, era uma coisa super pequena, apenas para conhecidos. Quando entramos TODO MUNDO vira a cabeça pra nós. Nem eu sabia o que eu tava fazendo lá, mas o jeito foi respirar e sentar o mais rápido possível. Ficamos até o final, foi massa ver a animação das crianças recebendo o prêmio e eu nunca bati palma com tanto gosto.

Xô ver se tem mais alguma coisa pra falar... ha!, tem sim! Nada como uma viagem para as pessoas te cativarem. As companhias de Maria e Anderson me expandiram.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Cidade dos Sonhos, de David Linch

Que desgraça de filme. Me deixou amarga o início da garganta, meu estômago ainda não voltou a se definir (duas horas depois do filme). Preferia não tê-lo assistido. Meu estômago ainda está em compasso com o coração, e isso não é bom. Coisa ruim isso. Merda de filme.

Certo, seja eu menos orgânica. O filme é ilógico, surreal, sem tempo. Pôs toda loucura e obsessão num espaço curtíssimo do filme, o que deu densidade de chumbo a esses tormentos e à situação que os envolve. E isso após longa e controlada tensão.

Não entendi porra nenhuma do filme.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Era uma vez um menino muito bonitinho. Era tão bonitinho... O menino tinha casa e cachorro. E o que o menino gostava de brincar era se esfregando nas juntas do paralelepípedo da rua. Esfregava pé, perna, braço, tudo. Ele gostava de colocar os dedinhos nos relevos do paralelepípedo. Ele gostava de chegar o nariz bem junto da pedra e ver os grãos de areia. Ele gostava de imaginar o que era o grãozinho de areia. Ele imaginava o que era o grãozinho na pedra.

O menino soltava o hálito entre as pedras para sentir esquentar o lábio e para ver a areia correr. Não podia dominar a geometria que o hálito fazia na areia. Desfazia a geometria. E soltava outro hálito para ver outra geometria, de modo que a repetição o cansasse e ele já não quisesse dominar.

O menino gostava de deitar de costas e sentir o calor da pedra. Gostava de sentir a irregularidade da pedra na cabeça e no cotovelo. Às vezes ele gostava de brincar de esfregar na rua pelo meio, às vezes ele gostava de ficar com a barriga encostada no meio fio e sentir umidade.

O menino, tão bonito, de casa e cachorro, dotava a vida de particularidades.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Hoje eu tava no Campo Grande, fazendo nada na verdade. Andando e esperando o dia sem pressa. Eu andando, menino sentado, casal passando.

Na esquina da Rua Banco dos Ingleses estava um menino, roupas sujas, sentado num colchão dobrado que dava nojo a pessoas como eu, recostado no poste e chupando um pirulito, desses redondos e de linhas coloridas. Evidentemente já se imagina o menino preto, e o era.

Questão de segundo, aparece um casal jovem, e o homem, barbudo e de dentes encardidos, dobra o corpo e pede o pirulito ao menino, que estava provavelmente em suas primeiras lambidas. O menino dá o pirulito como se estivesse dizendo as horas. Chego a ouvir uma repreensão da mulher para o homem quando ele pega o pirulito.

Não retardo o passo, mas paro do outro lado da esquina pra olhar de novo o menino. Parecia que ele já nem se lembrava do pirulito.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Eu entendi Salvador. Um pensamento que me veio, sem aprofundamento e sem reflexão. Eu entendi Salvador antes do pensamento e da reflexão, por isso mesmo entendi. Estou começando a dominar essa cidade, o que me faz sentir segura de não sei quê. Salvador começa a ser minha, do jeito que eu quero, dentro de minhas possibilidades, claro.

Eu vi Salvador de um jeito que me despertou de novo a vontade de comer, comer bem grande. A primeira vez que vi, um susto, só acelerou a respiração e veio do joelho até o peito a vontade. A segunda vez, vi porque quis e porque me arrisquei, assentou as coisas nos meus olhos e eu já tinha respirado o que havia pra respirar. A terceira vez, eu entendi salvador, um pensamento só.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

terça-feira, 14 de outubro de 2008

"Certificado de existência"

Olhe, deixa escrever logo isso pra ver se me livro desse tema.

Tem um monte de boca me perguntando como tá a vida depois de formada. Pergunta retórica, todo mundo sabe. Pergunta enfadonha, meu Deus... Como toda pergunta que é um pretexto pra sair do constrangimento do silêncio. Mas, como só me deixo ser ranzinza quando escrevo, sou capaz de sorrir e soprar alguma resposta positiva.

Um parêntese: por que o silêncio entre duas pessoas que apenas se conhecem superficialmente é tão constrangedor? Quem responde isso? Um sociólogo, psicólogo, antropólogo? O senso comum me diz que o constrangedor é o fato de a pessoa não querer parecer desinteressante diante do outro, blá, blá, blá...

(É tão diferente quando escrevo pra mim e quando escrevo com a perspectiva de outros lerem...)

Ainda paro e penso o que escrever no campo “profissão” dos livros de visita de museu ou de biblioteca. Quando me perguntam o que faço não sei se digo “estudante de arquitetura” ou “arquiteta”. Não sei mesmo, é um limbo. Porque sempre soube o que é ser estudante. Na verdade não é que saiba propriamente, mas sempre fui estudante, fui criada pra estudar. Então, sabia que era estudante da mesma maneira que sabia que meus olhos são castanhos.

E o que é ser profissional? Está dentre as coisas que eu menos entendo o fato de um papel dar tantos predicados a uma pessoa. Não me é nada natural dizer que sou arquiteta urbanista. Não sei a dimensão disso.

Faz quatro meses que apresentei o Trabalho Final de Graduação. E toda vez que abro o Explorer do meu computador ainda vou direto pra pasta do TFG. Que ranço!...

Há outras coisas também... Só percebo as coisas quando terminam. Dias depois de haver terminado a faculdade senti, bem tênue, uma espécie de liberdade. Agora poderia fazer o que quiser, não devia mais nada. Percebi que fiz faculdade, também, por que devia, tinha dívida. E, dívida quitada, haja coragem pra essa liberdade.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Ontem Tia Nena fez 88 anos. Nossa, sou doida por essa tia véa. Tia Nena sempre foi das pessoas mais velhas que conheci. Na verdade ela é atemporal, assim como todas as pessoas que conheço desde que nasci. Me cuidou, me gritou, me deu dinheiro pra comprar lanche na viagem. Aliás, olha que fofo: quando eu era bem pequena ela me dava dinheiro pra comprar merenda na viagem de volta à Cruz das Almas (ela mora em Itiruçu, cidade que vai sediar partidas da Copa do Mundo de 2014). Quando viajei pra fazer intercâmbio, do outro lado do Atlântico, já cheia de anos, ela me manda um envelope com dinheiro pra comprar merenda na viagem. Não é lindo??

Tia, a senhora tem isso? Ela tem. A senhora faz isso? Ela faz. A senhora lembra daquilo? Ela lembra. Por sinal, a memória dela é prodigiosa para saber laços familiares. Sempre fantasiei que um dia ela ia dizer que Maria Bethânia era nossa prima. A mãe dela é a cara de minha avó!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Fonte do Ninho

Você já viu o projeto que modificará a Fonte Nova?? Viu as outras propostas?? Tudo merreca! Sou plenamente a favor da proposta acima!

Fonte da imagem: bahea minha porra

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

justlikeapapertiger bbbbbbbbbbbbbb-----------------|||||||____________

É assim, contendo, segurando conforme deve estar para viver. A voz seca, estéril, uma força mínima. Tudo seria muito bom como se quer, como se gostaria de querer. Mas mas mas. Mas. Mete-se a si a mão nas costas, na altura da oitava vértebra, e vai experimentando movimentos, a gosto da própria experiência deste.

É assim essa música de Beck. É assim. Muitas coisas são capazes de me elevar, a maioria depende de uma disposição anterior minha. Essa música, sem mais, me tira de qualquer lugar e me pára, lá em cima, eu acho. Acho que é o contraste da voz com os instrumentos. Acho mais ainda que é quando a voz se liberta numa distorção e se afasta, se afasta, e os instrumentos gritam por terem vencido sem derrotar.

Ouve aí, melhor com fone de ouvido: Paper Tiger

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Saneamento básico

Estava pensando em fazer um pequeno comentário sobre como anda o saneamento básico dos municípios da Bahia. Ia fazer uma constatação em números (o que sempre chama mais a atenção) do que todo mundo sabe.

Ia fazer o comentário, mas e aí? É algo que está muito fora de mim para ser escrito (não interprete isso como falta de solidariedade). Surpreenderam-me muitos os números de saneamento dos municípios baianos. Mas eu queria mesmo escrever algo doloroso, de pele esfolada e ardida.

Estou considerando a possibilidade de acreditar em nada. A dúvida já me cansa, vou iniciar experimentos com a descrença, que talvez seja menos idiota e limitada que a certeza. Se a dúvida é um privilégio, a angústia também é. E, especialmente no que diz respeito a mim, duvido de tudo, inclusive do meu caráter.

Ademais, frases como “acredito no país”, “acredito no ser-humano”, “acredito no conhecimento” e suas derivações nunca fizeram, verdadeiramente, sentido para mim. O fazem pra você?

Dos 383 municípios baianos que constam na pesquisa do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 62 (16%) têm rede coletora de esgoto. Destes, em não mais que 9 o saneamento chega a mais de 50% da população, sendo que a cidade com maior índice de atendimento é Itapetinga, com 87% da população atendida. Os dados são disponibilizados no site http://www.snis.gov.br/.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Eu realmente detesto o Cabula... Contra a minha vontade, mesmo. Aqueles restaurantes de comida por quilo dos mini-shoppings cor-de-rosa, a entrada do 19° BC, a confusão do Bom Preço, a parede azul e branca do Colégio Ômega, a Uneb... Hugh! Detesto aquela avenida pela qual se chega à Uneb.

Por meses passei pela Silveira Martins num estado de indisposição sufocado pelo pensamento de que isso ia passar. Aliás, como tudo o que me incomoda. De manhã passava pela avenida num sono que me paralisava os músculos e fazia minha cabeça doer porque a aula na Uneb começava às 7:30. De tarde, calor me detonando, aumentando minha fome, ônibus cheio e uma hora até chegar em casa, engolir comida e ir para a faculdade de arquitetura. Como previsto isso passou, pois que deixei a Uneb, o que, além de aumentar minha culpa social, paralisou na minha boca aquela indisposição quando passo pela Silveira Martins.

Mas no sábado meu objetivo não era a Uneb, era o que estava atrás dela, a Engomadeira. Antes de aí chegar, tive do alto a perspectiva da Estrada das Barreiras, onde pude ver até longe, o que me fez respirar fundo e sentir bem. Vi sujeira, desorganização, cores encardidas. Pergunto-me agora, de um modo desestruturado, acerca do que é bonito numa cidade. O panorama não era bonito, mas era agradável. Agradou-me. Era bonito de uma maneira que me expandiu. Ai meu Deus, minha cabeça está pedindo que eu busque noções do belo, mas não sei se vou ter saco de ir além do Google. Mal de minha geração.

Primeira à direita, Engomadeira. Carro, carro, gente5, farmácia10. Passou um carro da polícia, gostei, mas, logo, rhum... sei não... isso daí...

Fui seguindo a rua, movimento diminuindo, entrei em algumas ruas locais, apenas naquelas onde podia ver crianças, senhoras ou roupas na varanda. Numa dessas ruas, uma mulher, cigarro na mão e barriga de fora, disse "não-sei-que-lá polícia". Rhum... Passei em frente ao que me pareceu serem dois terreiros. Todo lugar que me prometia ver um verde ou um panorama do alto ou que faltava um pedaço, me atraía. Mas não pude ir a 1/3 deles.

Saí de uma das ruas locais, voltando à Rua da Engomadeira, para então pegar o caminho da roça (ainda se diz isso?). Antes entrei num mercado para comprar água (R$0,30 o copinho, nunca vi tão barato!). O caixa deixou meu pedido no ar e saiu com semblante sério para ver dois carros de polícia que tinham passado. Só ouvi uma pergunta dispersa: “fechou a rua?”. Quando ele voltou não estava com cara de que me responderia alguma coisa, então peguei a água e saí. Vi que os dois carros haviam fechado uma rua transversal à Rua da Engomadeira. Mas, excluindo a presença dos policiais, todo o restante estava normal, talvez aparentemente. Entrei numa farmácia (tava mesmo precisando de manteiga de cacau) e o vendedor era dos que gostava de falar sobre o que o rodeia. Disse que há cinco dias um policial tinha sido assassinado ali pertinho e que os policiais estavam procurando traficantes. Disse também que ali não havia assaltos, mas tinha briga de traficantes. Ai meu Deus... Deixei o dinheiro da manteiga e segui o caminho da roça. Olhe, só digo uma coisa: “Deus protege os bêbados, as criancinhas e os distraídos” (Leo, 2008).

Ah!, quando chego na Rótula do Abacaxi, percebo que a manteiga de cacau tinha ficado na farmácia.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Digníssimas senhoras da Graça

Ai ai... as digníssimas senhoras da Graça. Eu as vejo e imediatamente me vem à cabeça a frase, num modo de constatação: digníssimas-senhoras-da-Graça. Sempre foi assim, desde que estou em Salvador. Passaram-se os anos e confirmei cabalmente que não existem as digníssimas senhoras da Pituba ou de Brotas, por exemplo. Isso não quer dizer que as senhoras destes bairros não sejam dignas, absolutamente.

Mas estas digníssimas senhoras da Graça... perdoe a repetição, mas não dá para não fazê-lo. Certamente eu ia perder ponto no vestibular. Não sou propriamente curiosa a respeito delas, mas sei lá, por que só as vejo aqui? Elas são para mim um emblema movente, aparecem e magnetizam minha atenção como nenhum outro tipo. Talvez porque só existam neste reduzido espaço de Salvador e por eu não ter podido, a força de sempre ter morado na Graça desde que saí de Cruz, identificar o tipo que só existe no Cabula ou na Paralela. Se bem que agora na Paralela não vivem tipos, só atores da Globo. Aliás, parece mesmo é que na Paralela todos os edifícios estão vazios. Bem, isso não é para agora.

Voltando: estas muy dignas senhoras andam de ônibus, a pé ou de motorista com a mesma inflexível compostura horizontal. Porventura pertencem a famílias ricas ou se casaram com rapaz remediado e desde os anos 70 cozinham o tempo. Para algumas destas senhoras Paripe é um balneário fora de moda há muito tempo. Para outras é muito complicado chegar lá, dizem que tem que pegar a BR.

Me parece (menos um ponto na redação) evidente que nunca trabalharam fora de casa. Porventura foram discretas ativistas políticas, de cultura um pouco superior à média soteropolitana e atentas a modismos um tanto extravagantes. Passado o tempo casaram-se, como é de praxe, e acharam lindo quando o filho entrou para o Grêmio do Vieira.

Nunca usam jeans. Normalmente usam calça ou saia sem estampa, em tom pastel, e camisa estampada com grandes figuras. Usam bijuterias douradas, às vezes dourado e preto, muita base, cabelos pintados imóveis e muito esticados para trás. O porquê de não usarem tintura em tons escuros eu não sei. As mais determinadas usam grandes óculos de sol e grandes unhas vibrantes. Essas sim sabem dar ordens a quem restou para ouvi-las.

Evidente que senhoras de outros cantos de Salvador vestem-se assim. Mas a combinação desta indumentária com um seguro ar de superioridade, com uma altivez que só se sustenta pela memória e com um semblante que traz um calmo orgulho de algo que se perdeu nas quinquilharias que guardam em casa, isso meu caro, só nas digníssimas senhoras da Graça. Pegue o ônibus Graça-Praça da Sé ou passe na Farmácia Santana e veja. Ou talvez não... faz tempo que eu não vejo uma digníssima senhora. Ademais, depois que escrevi, já não sei quem são as digníssimas senhoras da Graça.

terça-feira, 2 de setembro de 2008


Passagem de ônibus Cruz das Almas-Salvador: R$ 17,00 em valores atuais. 12 anos de estudo na capital: R$ 50.000,00 em valores chutados. Encontrar grande amiga para te ensinar a fazer barquinho de papel: não tem preço.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Trechos do livro "Istambul. Memória e Cidade" de Orhan Pamuk

"... porque qualquer coisa que digamos sobre a essência da cidade fala mais sobre as nossas vidas e o estado de espírito de cada um. A cidade não tem outro centro que não nós."

"Por que podemos esperar que uma cidade nos cure das nossas dores espirituais? Talvez porque não consigamos deixar de amar a nossa cidade como se fosse uma família. Mas ainda precisamos decidir que parte da cidade nós amamos, e inventar uma razão para tanto."

Chupe essa manga!

Grifo meu.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Quando se está imerso num sentimeno ele é certamente infinito. Mas se sabe, acho, que é superável.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Menos de dois reais

Desespero. Pequeno, preto, em osso, cabeça numa direção, olho na outra, peito apressado, convulsivo. Desespero desaguou em mim, minhas mãos e conjecturas nos bolsos, depois de cinco palavras. O desespero e o medo dela não agüentaram cinco palavras. Como vou pro Campo Santo? Vai de ônibus? Olho baixa, não tenho. Graça – Campo Santo, não articulo pensamento, vou colocar a senhora num ônibus, vou pro ponto errado. Se acalme, se acalme, minha voz tinha que sair firme e segura. Mas eu tremendo. Pés dela todo partido, andou o dia todo, eram quase dez da noite. Meu filho sem comer. Chorando sem compasso. Pedi informação à moça, fugiu – como se eu fosse um bicho – a voz dela apertada, ela sem entender, eu confusa. A senhora conhece Salvador, ela pergunta. Sim, reticente. Além do SAMU, da polícia, do Corpo de Bombeiros, que, que, quem pode fazer o transporte do meu filho? Meu estômago. Vou ligar pra minha prima. Primo? Não pode levar de ônibus? Motorista não deixou, poblema renal, nasceu com isso, Roberto Santos, tenho que ir pra Laaapa e da Lapa pegar o Carbula. Ai meu Deus, ponto errado, vamos pro outro. Mão no queixo, meu filho sem comer desde ontem. Desde ontem! Passar por uma dessa em Salvador, meu filho sem comer e eu sem ter o que dá. Voz baixa, espremida. Tapa na minha cara, corte na minha cara, pobreza não é documentário. Quanto tempo em Salvador, tá na casa de quem? Minha cooperativa me ajuda, balança a cabeça negativamente. Seis semanas, vou embora semana que vem, eu to numa casa duma... Quem não tem nada faz o que em Salvador?, catei lata ontem, fiquei com noventa centavos, aí dei um kisuco com... pra ele, depois me disseram que não podia dar... Merda!, ela deu Kisuko, ele doente dos rins, merda merda merda... e eu? Eu nada. Merda merda merda. Seu ônibus, chegando no Campo Santo sabe ir pra casa? Seei, chegando no cemitero... Ônibus pára, pego o dinheiro no bolso, vergonha, tinha nem quatro reais, dois era pro ônibus ... ... ... Dou as moedas, menos de dois reais, e isso foi horrível... A porta fecha, viro pra minha casa, na mesma hora o céu dá uma pancada nas minhas costas, atravessa o peito, cai no chão, minha cabeça baixa. Menos de dois reais. Menos de dois reais. Não usei o SmartCard, merda. Trazer em casa, dar alguma coisa, depois ir pro ponto... Merda.

Tudo o que eu tenho é fútil.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Fui na Mata Escura e voltei de mãos quase vazias. Merda!...

domingo, 17 de agosto de 2008

Comprei jornal por quase nada, o pus sob o braço, coloquei as mãos nos bolsos da calça, curvei e encolhi os ombros de uma maneira incomum, pendi a cabeça mirando entre o chão e quase a direita, sorri sem mover os lábios e, quando dei o terceiro ou quarto passo, algo se passou e estou entre a angústia de não saber o que, apenas sinto o que foi, e o medo, grande, de perder ou esquecer o que foi.
Pavor de assumir minha liberdade e o caminho que meu estômago deseja.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

E isso é só a publicidade...

Agora me vêm querendo enfiar goela abaixo uma coisa falando “Salvador” com sotaque! Me faça uma garapa! Não sou regionalista, mas pelamordedeus... Releve minha ignorância, mas o que é que se ensina no curso de publicidade? Faz favor de insultar minha cidade de forma menos idiota. Podiam pelo menos ser coerentes e fazer um elaborado e requintado insulto, algo assim, cheio de charme e sofisticação.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Mercado

Sinal dos tempos: Sanane comprando coisas verdes no mercado. Para consumo próprio, não era Sprite. Esse mundo tá de cabeça pra baixo...
Realidade colidindo: alface crespa, americana, hidropônica... Hã?!?

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Sobre livros

É realmente incrível como os livros nos vêm na hora que precisamos. Tenho lido livros que cabem no que estou vivendo. Posso acreditar que seja coincidência. E posso também pensar que nos fixamos, emocionamos e pensamos mais nas passagens que nos convém, a depender do que estamos vivendo. Pode ser que lemos sempre a partir do que estamos vivendo. Assim, posso pensar que um livro não são histórias ou pensamentos fixados (ou congelados) no tempo pelo autor. Um livro sou eu e o autor, os anseios dele e o meu. Não sei se há um que se sobressaia.

Pensei isso porque li uma passagem que me emocionou como há muito não acontecia por causa de um livro. Vi que sou normal! Pelo menos de longe.

Talvez por coincidência, depois que pensei nisso, vi uma citação de Paul Ricoeur pendurada numa banca de revista: “compreender é compreender-se diante do texto”. Não sei em que contexto o filósofo escreveu isso, mas diga se não é verdade.

Quase todos os livros que li não eram meus, me foram emprestados. De um ano para cá, quando ganhei e comprei uns primeiros, achei muito estranho pensar que não teria que devolvê-los. Até hoje não tive coragem de colocar meu nome em nenhum deles. É estranho dizer que um livro é meu... assim, é estranho ver ele estático numa prateleira.

A única coisa que você (ou pelo menos eu) consegue possuir de um livro é o que sente e consegue fixar a partir de alguma transformação que lhe acontece. Alguns livros me fazem sentir muito, mesmo. Para não perder, ou pelo menos prolongar, esse sentimento, principalmente quando se trata do sublime, tento fixá-lo em coisas da minha vida. Expectativas, emoções, cheiros, entendimentos. Tento fixar o sentimento evocado de minha vivência.

sábado, 2 de agosto de 2008

Ontem fui no Largo da Madragoa. Daí: posto de gasolina são elementos de repulsão; mercadinhos de bairro aberto fazem-me sentir segura; ruas de paralelepípedo são muito pessoais; mini-shoppings de bairro são vulgares. Dentre outras coisas, claro.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Sismino usa Sensodyne desde os 16 anos e meio. Afinal, aos 18 resolveu ir ao PROCON. Como é que pode?? Quase dois anos usando a merda da pasta e nada... Cada vez ele se sente mais acuado, oprimido, eufórico, feliz, angustiado. Às vezes tudo junto.

Mas está resolvido. Impetrará processo contra a Sensodyne. Ou esta prova que “o uso diário de Sensodyne controla e previne a sensibilidade, criando uma barreira que aumenta a cada escovação e se mantêm enquanto continuar esse uso. Se, no entanto, o uso é interrompido, a barreira diminui e a hipersensibilidade volta”, ou vai ter que indenizá-lo.
É... é isso aí. Se acabou. Tudo que acaba me deixa melancólica. Até o TFG (trabalho final de graduação)

Parece que nunca vou deixar de ter dúvida.

Sim, meu TFG... No início me pareceu que foi uma farsa sua justificativa. Uma coisa que inventei. Pensei isso porque risquei antes de racionalizar formalmente. Mas justificar-se (ou conceituar) e depois formalizar seu conceito não quer dizer que esteja sendo autêntico, em absoluto. Você pode ser falso qualquer que seja a ordem dos fatores.

Bem, o fato é que me sinto dúbia em relação ao meu projeto porque, assim como escrevi páginas defendendo-o, posso escrever outras criticando-o. Esse paradoxo é um bug na minha cabeça. Para continuar tenho que escolher, escolho defender, claro.

Mas, me diga, é uma questão de conveniência defender ou criticar um projeto? Argh! Triste dizer que às vezes sim. E me sinto corrupta por isso. Mas me empenho em esquecer as influências que me fazem seguir determinada conveniência e buscar a verdade que me diria o que é um bom projeto. É ingênuo e obsoleto buscar uma verdade, sabendo que ela não vai servir a todos? É ingênuo pensar na possibilidade de criticar algo fora das influências? Isso tudo é porque não sei o que pensar, não sei de que lado estou. Gosto de Gerry? Depende. Corbusier? Depende. Mas não se vive de relativismos.

Se me é possível criticar e defender um mesmo projeto, porém é impossível fazê-lo sob os mesmo argumentos, é fundamental eu descobrir quais argumentos fazem uma boa arquitetura. Esses argumentos seriam uma verdade?

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