quinta-feira, 30 de abril de 2009

Você, que vê do alto, já foi lúcido?
Uuuna!

sábado, 25 de abril de 2009

Eu não queria escrever sobre Lençóis, sobre mais uma viagem. Porque isso tá ficando recorrente demais... Mas escreverei, basicamente porque me apego aos hábitos. E chega de explicações.

A gente foi para Lençóis no escuro. Sabíamos como chegar e onde dormir, mas, eu pelo menos, não fazia a menor idéia do que poderíamos ver além da sede da cidade. Mas foi aquela né?... eu tava lá bebendo uma cerveja, aí um amigo falou: vamo ali em Lençóis? Tô fazendo nada... então vamo, vamo nessa.

Ô cidade bonitinha, meu Deus. Adorável. Não virou uma cidade-puta turística como certas cidades que é dispensável mencionar. Ouvi pessoas dizerem que o turismo é a principal fonte de renda da cidade. Mas, lado a lado com os bares e restaurantes cujas mesas têm toalha de chita su-per-in-te-gra-das à tradição nordestina, há aquelas vendas com balcão de bloco, reparos de cimento não pintados nas paredes, lâmpada com teia de aranha e com prateleira de madeira engordurada, onde estão expostos conhaque, latas de milho verde e estrato de tomate, Pitú, absorvente, sabão em barra azul, arroz, tabaco, caixa de anador, Cortesano...

A rua onde fiquei hospedada, apesar do albergue e das pousadas que lá funcionam, não é mais que uma rua de cidade pequena, com gente conversando pela janela e cujo ritmo e cor das fachadas a tornam mais agradável e aconchegante. Em qualquer canto da cidade havia portas e janelas abertas, às vezes podíamos ver até o quarto de alguém. Isso me lembrou o quanto isso já me foi banal, e como eu, quando criança e vinha pra Salvador, fantasiava que ninguém vivia nos apartamentos, uma vez que não se pode ver o movimento destes através das janelas dos prédios. E eu realmente me espantava quando, da janela do apartamento de meu tio, via um ser-humano passando numa janela próxima. Pensava instintivamente: não é que tem gente lá dentro?

Fizemos aquele passeio que faz a rota dos cartões postais da Chapada. Saímos com uma agência de turismo e, algumas vezes, isso me fez ficar enjoada. A guia falava coisas do tipo: vamos parar em tal lugar, fazemos fotos e seguimos. Tem gente que viaja só para fazer fotos, é? Eu heim... foto não era conseqüência de um passeio? Mas, a pesar do meu preconceito, o passeio guiado foi ótimo. Mas, também, impossível algo ser ruim quando se tem as paisagens da Chapada. Impossível.

A gente foi na Lapa Doce, que é, veja bem, uma gruta e não uma caverna (você sabia que tem diferença entre gruta e caverna? Eu não). Quando fui entrando na gruta me senti indo pro reino de Hades. Adorei! Lá dentro, em determinado momento, todas a luzes foram apagadas e todo mundo ficou em silêncio. Nem de olhos fechados podemos ter uma escuridão daquela, e isso não é força de expressão. E eu me senti excepcional, me senti muito, muito bem. Mas eu teria que estar lá, para tentar escrever o porquê disso.

Depois, avançando na gruta e de novo com luz, entramos num salão que geometricamente nem era tão grande, mas me deu a sensação de ser descomunal. Eu tive, naquele espaço totalmente cerrado, um sentido de imensidão, de coisa inalcançável e de minha insignificância corporal muito mais forte e física do que a vastidão quilométrica do horizonte e do céu que vimos, poucas horas antes, de cima do Morro do Pai Inácio. E isso me intriga deveras.
.
Senti que a Chapada é inesgotável. Essa viagem não me deixou nem um pouco saciada. Quero voltar para rever os lugares que vi (e principalmente o que não vi no escuro da gruta) e de novo voltar para ver os lugares que ainda não fui.

A quantidade de maluco-doido por metro quadrado de Lençóis só é menor do que em Granada. Falo dos viajantes que vivem, aparentemente, da arte que fazem. Se eu fosse antropóloga faria uma tese sobre eles. E se essa tese já existe, adoraria lê-la. O que leva as pessoas optarem por esse tipo de vida? Como vivem exatamente? Me intriga como é possível ter o desapego necessário para viver sem vínculos. Eu, que passo quatro dias numa cidade agradável e já me dói deixá-la.

Tenho duas hipóteses a respeito desses maluco-doidos: a despeito de, novamente aparentemente, serem mais abertos e livres, não é simples alguém se aproximar deles além daquele momento em que eles oferecem a mercadoria. A segunda é que, se eles aparentam aceitar todo modo de vida, acho mesmo é que eles nos desprezam. Talvez porque precisam de pessoas como nós para comprar coisas que pessoas como eles fazem. Talvez sintam até enjôo quando se aproximam de nós.

Juntei o útil ao agradável e, depois de vadiar na Chapada, fiz visitas para ganhar o pão de cada dia em lugares de lá. Precisamente em comunidades remanescentes de quilombos. De fato, a Chapada é inesgotável. Ouvir as pessoas contarem a trajetória da família até ela chegar ali é ver história por dentro. Conhecemos um rapaz que disse ter encontrado um acampamento de garimpeiros do período áureo da extração de diamantes e também pinturas rupestres desconhecidas. Claro que isso pode ser história de pescador, mas eu adoro imaginar que isso de fato aconteceu.

Acho que vou começar a colecionar os jeitos que as pessoas têm de dizer as coisas. Veja essas que ouvi lá e que me lembro: dismintidor: qualquer coisa pra colocar o osso que você torceu no lugar; bramura: brabeza; filho de pegação: criança que você fez o parto; viaja mais que pensamento ruim: sem tradução.

Para terminar, porque a preguiça me já me afeta: ir nesses povoados do interior é ponderar o que de fato é necessário para viver. É ver como é incabível o tanto de lixo que a gente produz para comer, por exemplo, uma oferta na Mcdonalds. Nós somos muito doidos, muito estranhos... fico pensando no tanto de energia humana e material gasta pra fazer um shopping. Pra que isso tudo que rodeia a gente, meu Deus?

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Uma Cafetina

Vou contar o que soube de um menino de verdade. Ele era magro, branco, loiro e tinha cabelo liso. Mas desfaça essa imagem porque ele era feio... não exatamente feio, mas daquele jeito que não agrada.

Ele me chamou a atenção porque o vi, ainda muito pequeno, indo para a escola sozinho. É raro um menino tão branco ir para a escola só. E também porque ele andava gesticulando descoordenadamente a cabeça, o rosto, as mãos, os braços e as pernas. E geralmente com as sobrancelhas contraídas. Algumas vezes parecia que ele estava conversando com alguém.

Eu fui levando a faculdade (e vice-versa) e ele ficando alto, sempre muito rápido. Os olhos dele olhando para todos os lugares ao mesmo tempo, não se fixavam em nada. Às vezes os meus olhos também.

Eu pensava comigo que aquele menino não devia valer nada. Mas isso no sentido figurado, não interprete mal. Ele tinha cara que aprontava todas.

De fato.

Ontem um amigo me disse que ele foi assassinado por policiais. Ele me contou a história de um documentário. Mas outrora descobri e agora reitero que pobreza não é documentário. Desgraça menos ainda.

Meu amigo me disse que ele era filho de uma prostituta que morreu de AIDS. Quando o vi pela primeira vez é possível que ele já fosse órfão. Uma cafetina ficou então tomando conta dele. E ninguém espera nada venturoso de alguém com essa história, a não ser que se trate de um provérbio ou de uma parábola.

Nessa história, que tangenciou a minha, o menino resolveu ir no máximo que a desgraça lhe estava reservada. Se a desgraça era para ele, que ele fosse dominado por ela. O caso era abraçar o diabo, ser bróder dele e, evidente, sacaniá-lo quando possível.

O guri começou a fazer estripulias mesmo. Já não me lembro a ordem das coisas que meu amigo me disse... Tinha cara de muito criança, aí começou a ajudar os meninos mais velhos a roubar, levando uma arma para dentro do lugar a ser roubado. Como, infelizmente, não é de se espantar, começou a traficar também. Mas devia ter nada de disciplina, não conseguiu pagar a droga que tinha comprado pra revender. Virou caça fácil. Nas tentativas que os traficantes maiores fizeram para matá-lo ele conseguiu fugir. Mas do policial... levou tiros. Todos tiveram escolhas. Estas, levaram a uma história assim.