sábado, 25 de abril de 2009

Eu não queria escrever sobre Lençóis, sobre mais uma viagem. Porque isso tá ficando recorrente demais... Mas escreverei, basicamente porque me apego aos hábitos. E chega de explicações.

A gente foi para Lençóis no escuro. Sabíamos como chegar e onde dormir, mas, eu pelo menos, não fazia a menor idéia do que poderíamos ver além da sede da cidade. Mas foi aquela né?... eu tava lá bebendo uma cerveja, aí um amigo falou: vamo ali em Lençóis? Tô fazendo nada... então vamo, vamo nessa.

Ô cidade bonitinha, meu Deus. Adorável. Não virou uma cidade-puta turística como certas cidades que é dispensável mencionar. Ouvi pessoas dizerem que o turismo é a principal fonte de renda da cidade. Mas, lado a lado com os bares e restaurantes cujas mesas têm toalha de chita su-per-in-te-gra-das à tradição nordestina, há aquelas vendas com balcão de bloco, reparos de cimento não pintados nas paredes, lâmpada com teia de aranha e com prateleira de madeira engordurada, onde estão expostos conhaque, latas de milho verde e estrato de tomate, Pitú, absorvente, sabão em barra azul, arroz, tabaco, caixa de anador, Cortesano...

A rua onde fiquei hospedada, apesar do albergue e das pousadas que lá funcionam, não é mais que uma rua de cidade pequena, com gente conversando pela janela e cujo ritmo e cor das fachadas a tornam mais agradável e aconchegante. Em qualquer canto da cidade havia portas e janelas abertas, às vezes podíamos ver até o quarto de alguém. Isso me lembrou o quanto isso já me foi banal, e como eu, quando criança e vinha pra Salvador, fantasiava que ninguém vivia nos apartamentos, uma vez que não se pode ver o movimento destes através das janelas dos prédios. E eu realmente me espantava quando, da janela do apartamento de meu tio, via um ser-humano passando numa janela próxima. Pensava instintivamente: não é que tem gente lá dentro?

Fizemos aquele passeio que faz a rota dos cartões postais da Chapada. Saímos com uma agência de turismo e, algumas vezes, isso me fez ficar enjoada. A guia falava coisas do tipo: vamos parar em tal lugar, fazemos fotos e seguimos. Tem gente que viaja só para fazer fotos, é? Eu heim... foto não era conseqüência de um passeio? Mas, a pesar do meu preconceito, o passeio guiado foi ótimo. Mas, também, impossível algo ser ruim quando se tem as paisagens da Chapada. Impossível.

A gente foi na Lapa Doce, que é, veja bem, uma gruta e não uma caverna (você sabia que tem diferença entre gruta e caverna? Eu não). Quando fui entrando na gruta me senti indo pro reino de Hades. Adorei! Lá dentro, em determinado momento, todas a luzes foram apagadas e todo mundo ficou em silêncio. Nem de olhos fechados podemos ter uma escuridão daquela, e isso não é força de expressão. E eu me senti excepcional, me senti muito, muito bem. Mas eu teria que estar lá, para tentar escrever o porquê disso.

Depois, avançando na gruta e de novo com luz, entramos num salão que geometricamente nem era tão grande, mas me deu a sensação de ser descomunal. Eu tive, naquele espaço totalmente cerrado, um sentido de imensidão, de coisa inalcançável e de minha insignificância corporal muito mais forte e física do que a vastidão quilométrica do horizonte e do céu que vimos, poucas horas antes, de cima do Morro do Pai Inácio. E isso me intriga deveras.
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Senti que a Chapada é inesgotável. Essa viagem não me deixou nem um pouco saciada. Quero voltar para rever os lugares que vi (e principalmente o que não vi no escuro da gruta) e de novo voltar para ver os lugares que ainda não fui.

A quantidade de maluco-doido por metro quadrado de Lençóis só é menor do que em Granada. Falo dos viajantes que vivem, aparentemente, da arte que fazem. Se eu fosse antropóloga faria uma tese sobre eles. E se essa tese já existe, adoraria lê-la. O que leva as pessoas optarem por esse tipo de vida? Como vivem exatamente? Me intriga como é possível ter o desapego necessário para viver sem vínculos. Eu, que passo quatro dias numa cidade agradável e já me dói deixá-la.

Tenho duas hipóteses a respeito desses maluco-doidos: a despeito de, novamente aparentemente, serem mais abertos e livres, não é simples alguém se aproximar deles além daquele momento em que eles oferecem a mercadoria. A segunda é que, se eles aparentam aceitar todo modo de vida, acho mesmo é que eles nos desprezam. Talvez porque precisam de pessoas como nós para comprar coisas que pessoas como eles fazem. Talvez sintam até enjôo quando se aproximam de nós.

Juntei o útil ao agradável e, depois de vadiar na Chapada, fiz visitas para ganhar o pão de cada dia em lugares de lá. Precisamente em comunidades remanescentes de quilombos. De fato, a Chapada é inesgotável. Ouvir as pessoas contarem a trajetória da família até ela chegar ali é ver história por dentro. Conhecemos um rapaz que disse ter encontrado um acampamento de garimpeiros do período áureo da extração de diamantes e também pinturas rupestres desconhecidas. Claro que isso pode ser história de pescador, mas eu adoro imaginar que isso de fato aconteceu.

Acho que vou começar a colecionar os jeitos que as pessoas têm de dizer as coisas. Veja essas que ouvi lá e que me lembro: dismintidor: qualquer coisa pra colocar o osso que você torceu no lugar; bramura: brabeza; filho de pegação: criança que você fez o parto; viaja mais que pensamento ruim: sem tradução.

Para terminar, porque a preguiça me já me afeta: ir nesses povoados do interior é ponderar o que de fato é necessário para viver. É ver como é incabível o tanto de lixo que a gente produz para comer, por exemplo, uma oferta na Mcdonalds. Nós somos muito doidos, muito estranhos... fico pensando no tanto de energia humana e material gasta pra fazer um shopping. Pra que isso tudo que rodeia a gente, meu Deus?

3 comentários:

Alexandre Freitas disse...

Você disse " eu me senti excepcional, me senti muito, muito bem. Mas eu teria que estar lá, para tentar escrever o porquê disso."

Comece a treinar escrever no escuro!

Uma vez que estive em Lençois, meu onibus saia 11 da noite de domingo, enquanto o resto TODO de turistas que estava lá, sairam de manhã cedo. Eu e mais 3 amigos ficamos lá praticamente só com os nativos.

Conhecemos 1 maluco doido chamado NIGHT que parecia ser já conhecido de uma pá de moradores, e 1 maluquinho-doidinho chamado JARBAS que ficou com a gente o dia inteiro.

Parabéns pelo texto.

Beijos!

Alexandre Freitas disse...

P. S. - Continue mandando os textos por email. É mais fácil!

xandolino

Sanane disse...

pois é pois é xandolino... tenho que por minha hipótese mais à prova!