quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Era uma vez um menino muito bonitinho. Era tão bonitinho... O menino tinha casa e cachorro. E o que o menino gostava de brincar era se esfregando nas juntas do paralelepípedo da rua. Esfregava pé, perna, braço, tudo. Ele gostava de colocar os dedinhos nos relevos do paralelepípedo. Ele gostava de chegar o nariz bem junto da pedra e ver os grãos de areia. Ele gostava de imaginar o que era o grãozinho de areia. Ele imaginava o que era o grãozinho na pedra.

O menino soltava o hálito entre as pedras para sentir esquentar o lábio e para ver a areia correr. Não podia dominar a geometria que o hálito fazia na areia. Desfazia a geometria. E soltava outro hálito para ver outra geometria, de modo que a repetição o cansasse e ele já não quisesse dominar.

O menino gostava de deitar de costas e sentir o calor da pedra. Gostava de sentir a irregularidade da pedra na cabeça e no cotovelo. Às vezes ele gostava de brincar de esfregar na rua pelo meio, às vezes ele gostava de ficar com a barriga encostada no meio fio e sentir umidade.

O menino, tão bonito, de casa e cachorro, dotava a vida de particularidades.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Hoje eu tava no Campo Grande, fazendo nada na verdade. Andando e esperando o dia sem pressa. Eu andando, menino sentado, casal passando.

Na esquina da Rua Banco dos Ingleses estava um menino, roupas sujas, sentado num colchão dobrado que dava nojo a pessoas como eu, recostado no poste e chupando um pirulito, desses redondos e de linhas coloridas. Evidentemente já se imagina o menino preto, e o era.

Questão de segundo, aparece um casal jovem, e o homem, barbudo e de dentes encardidos, dobra o corpo e pede o pirulito ao menino, que estava provavelmente em suas primeiras lambidas. O menino dá o pirulito como se estivesse dizendo as horas. Chego a ouvir uma repreensão da mulher para o homem quando ele pega o pirulito.

Não retardo o passo, mas paro do outro lado da esquina pra olhar de novo o menino. Parecia que ele já nem se lembrava do pirulito.