sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A Todas as Glórias do Sertão!

É bem verdade que eu já queria escrever esse texto antes de viajar. Pra disfarçar o motivo, vou dizer o que disse uma amiga: eu quero, porque quero, por querer.

Eu sabia de maneira quase esquecida que navegar é preciso. Agora eu entendo e sinto que navegar é fundamental. Porque eu não consigo entender o vermelho a partir das variações de suas tonalidades, eu entendo o vermelho a partir do que se contrasta a ele.

Então, navegar é preciso, e eu fui num pedaço do sertão da Bahia, não por decisão direta minha, mas porque foi precisão de força maior. E o sertão não é longe como os livros fazem parecer. Em três a quatro horas você chega lá.

Fui em Euclides da Cunha, Canudos, Uauá e Monte Santo e uns tantos povoados desses municípios. E eu consegui pensar e falar uma coisa que ainda não havia dito com maior certeza. Estão me pagando para fazer uma coisa que eu faria de graça.

Saí de Salvador com Maria, Anderson e quatro representantes da UNEB, sendo três professores e uma aluna. Aí... ai eu não sei... não sei por onde começar isso.

Paramos primeiro em Euclides da Cunha para almoçar e ter uma reunião com representantes de um povoado do município, Massacará. Meu primeiro susto: beeeem atrás da Igreja tava lá, toda pintada de vermelho uma sex shop, numa cidade de 56 mil habitantes. E logo quando entrei na cidade tinha uma padaria que o nome era “Padaria Pão Sem Drogas”. Porque em todas as outras padarias da cidade o pão vinha com drogas, claro. Euclides é praticamente uma Amsterdã.

Na reunião com os representantes de Massacará havia dois caciques dos índios Kaimbés (acho que escreve assim...). Um teria seus 20 e poucos anos e o outro devia estar na casa dos 60. Muito interessante foi a postura dos dois quanto à decisão de eles aceitarem ou não o projeto que a UNEB propunha para Massacará. O mais velho, ao final dos esclarecimentos disse logo: “nóis aceita”. O mais novo disse que só daria a resposta depois que conversasse com os outros moradores do povoado.

Depois de conversar com os Kaimbés, a gente foi para Bendengó encontrar Jotinha, que nos acompanharia na viagem até Canudos Nova. Uma figura esse cara, o jeito dele falar era uma delícia! Antes de chegar em Canudos Nova paramos em Canudos Velha, povoado às margens da Represa de Cocorobó, que inundou o sítio original de Canudos. O lugar é lindo, e eu não consegui fazer esforço para imaginar o massacre que houve ali.
Logo na entrada de Canudos Nova passamos pelo lugar de condições mais precárias da viagem, o bairro da Favela. Apesar deste lugar não estar dentro do projeto da UNEB (“turismo de fundamentação histórica e cultural”), eu e Maria paramos aí pra pegar algumas informações. Afinal, o que é turismo mesmo??

Depois fomos ao Jorrinho, junto da barragem de Cocorobó, onde reencontramos o pessoal da UNEB. E aí, amiguinho, expediente terminado, eu olho para cima e... uma puta bola gigante e amarela parecia que ia me levar! A lua cheia tava no primeiro dia, e aí era i-ne-vi-tá-vel pensar naquela música: “não há ó gente, ó não, luar como esse do sertão”.

Aliás, por falar em sertão, um parêntese: cada vez me convenço mais que os livros nos vêm na hora que precisamos. Pouquíssimos dias antes da apresentação do projeto da UNEB lá onde trabalho, eu tinha começado a ler Os Sertões. Pense numa coisa dessa... Aliás, várias coisas relacionadas ao sertão têm me envolvido nas últimas semanas. Por exemplo, assisti Deus e o Diabo na Terra do Sol e uma amiga me passou um CD de Elomar, o qual to ouvindo sem parar tem uma semana. Vai ter até show dele na sexta, bora??

Mas sim, voltando ao Jorrinho (ai meu Deus, acho que isso vai sair grande pra caramba...). Maria olha pra mim e pergunta se eu trouxe biquíni. Claro que não, ora! Ela me chama pra tomar banho no jorro. Porque não? Aí foi só trocar a calça por um short e fomos eu, ela e Anderson pra aquele banho de água gelada e de lua gigante. Pra não ser muito espalhafatosa só vou dizer uma coisa: revigorante, podia voltar pra Salvador andando!

No outro dia fomos cedo em direção a Caratacá, povoado de Uauá. No caminho de Canudos pra Uauá entendi direitinho o que disse Euclides sobre os sertões: “barbaramente estéreis; maravilhosamente exuberantes.” Canudos era lascas de pedra, cinza, vegetação esturricada. Em Uauá quase atolamos e a vegetação, cheia de flor, era de um verde que tinham acabado de pintar.

Primeira visão em Caratacá: carne de bode secando na frente de uma casa. Encontramos Gildemar, artista que seria nosso guia nesse município. Segunda visão: carcaça, pele de bode e urubus na praça principal do povoado. Ficamos pouco tempo, senti que deveríamos ter ficado um pouco mais. Entramos na casa de Seu Dedé pra dar uma olhada e terceira visão: carne de bode secando no quintal de casa. Nunca mais como bode.

Nesse povoado comecei a entender como é fácil entabular uma conversar com as pessoas daquela região. Isso por causa de um velhinho que parecia ter nascido com a idade que ele tem hoje. Você precisava ver o prazer com que ele falava comigo. Num outro povoado, Cocobocó, conhecemos D. Judite que falou de sua disposição em receber: “venha de onde vier, venha em paz”. E pense na gentileza das pessoas que conhecemos: Anderson queria comprar um doce de umbu (delícia!!) que D. Judite produzia, mas ela não aceitou pagamento. Maria perguntou se ali por perto tinha pé de umbu, porque ela queria pegar uns que ainda estavam pequenos. Não tinha. Perguntou sem pedir, mas, no caminho pra Uauá, Gildemar parou no meio da estrada e catou uns pra ela, e, claro, disse que o filho de Maria não ia nascer com cara de umbu.

Uauá, aliás, é o sucesso da Bahia! É o point do sertão! A gente foi no bar Bridas, que o pessoal da UNEB já conhecia. Chegando lá fomos apresentados a S., que é a bicha mais bem amada que eu já conheci. E o repertório foi maaaaaaassa, o DJ ia de Pink Floyd à tchuco tchuco. Você já ouviu a dança do estrupa?? “estrupa, estrupa, estrupa quem tá de amarelo!, estrupa quem tá de vermelho!!” Divertidíssimo, mas juro que consegui manter meus princípios! E nem me olhe torto porque tenho certeza que teu passado também te condena! Bem, se não condena, sinto muito.

No outro dia, apesar de tudo, estávamos lá, firmes e fortes indo em direção a Monte Santo. Paramos primeiro no povoado de Acarú, onde encontramos Ana, D. Júlia e Seu Dedega. Lá existem dois casarões preciosos! Eu não posso acreditar que o IPHAN não os conheça! Um tá melhor conservado porque uma família o ocupa faz 40 anos. Em frente a esse, o terreiro primorosamente varrido era um caso a parte. Aliás, as pessoas da roça no geral têm a frente da casa muito bem varrida e as panelas muito bem areadas. O segundo casarão era um abandono só. Não tinha a porta da frente, mas dava pra ver que era mais requintada que a outra.

No caminho de Acaru para Monte Santo D. Júlia (a olhei diferente quando ela disse que plantaria as sementes que tinha catado no chão em frente à Prefeitura. Pensei: num lugar público??) nos fez o favor de contar um pouco de sua história. Foi o que mais me emocionou na viagem e eu tenho que guardar essa história o máximo que puder. Não dá pra eu escrever o que ela disse, porque eu iria empobrecê-la drasticamente. Pra entender a história de D. Júlia tem que ouvir ela falando com os olhos rígidos, o peito um pouco ofegante e com a voz suave que se deixou embargar uma única vez e de modo quase imperceptível. Só acho que tenho que dizer que D. Júlia, 60 e poucos anos, de olhos belamente azuis, aprendeu a escrever em folha de incó (um mato que tem lá) e com espinho de mandacaru, perdeu a memória duas vezes e se formou na Universidade Federal da Bahia. Ela arrematou a história dizendo mais ou menos isso: eu tô contando isso pra vocês porque tudo (enfatizou o “tudo”) o que eu puder fazer pra quem tá precisando eu faço. Quando nos despedimos, ela me disse com voz mais suave e mais baixa, tocando de leve no meu ombro e me olhando daquele jeito: “não esqueça de mim não”. Deus...

Tenho que falar também de Seu Dedega. Eu quero um Seu Dedega de natal, eu quero! Você já assistiu Deus e o Diabo na Terra do Sol? Pois ele fez o papel do noivo que foi capado. E nós passamos com ele em frente ao lajedo que Glauber Rocha usou como palco no filme.

Seu Dedega é da elite de Monte Santo, mas de uma simplicidade e poesia que encantam. Ficou claro que havia uma grande cumplicidade fraternal entre ele e D. Júlia. Numa hora em que estávamos tratando de burocracia, ele fala que quando era menino gostava de sair correndo atrás dos redemoinhos para ver se ele conseguia voar. Poesia pura, e eu pensei imediatamente que eu morria de medo de redemoinhos.

No centro de Monte Santo um crime. Me colocaram uma concha acústica gigante que tapa e polui a visão do monte e da igrejinha que fica no topo dele. Como permitem? E tem também casa de três andares ajudando na poluição do lugar.

A última noite nós passamos em Euclides da Cunha, Amsterdã dos Sertões. E quem disse que domingo de noite não tem nada pra fazer no interior?? A praça da cidade tava lotada, e tivemos direito a ver briga de duas irmãs por causa de um cara. A praça in-te-i-ra vaiou ele! Fizemos uma coisa completamente fora de propósito. Tinha vários cartazes nos bares dizendo que naquele dia seria a entrega de prêmios do Festival de Teatro Não-Sei-Que. Pois lá fomos (eu, Maria e Anderson) pra tal entrega. Quando a gente chega, era uma coisa super pequena, apenas para conhecidos. Quando entramos TODO MUNDO vira a cabeça pra nós. Nem eu sabia o que eu tava fazendo lá, mas o jeito foi respirar e sentar o mais rápido possível. Ficamos até o final, foi massa ver a animação das crianças recebendo o prêmio e eu nunca bati palma com tanto gosto.

Xô ver se tem mais alguma coisa pra falar... ha!, tem sim! Nada como uma viagem para as pessoas te cativarem. As companhias de Maria e Anderson me expandiram.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Cidade dos Sonhos, de David Linch

Que desgraça de filme. Me deixou amarga o início da garganta, meu estômago ainda não voltou a se definir (duas horas depois do filme). Preferia não tê-lo assistido. Meu estômago ainda está em compasso com o coração, e isso não é bom. Coisa ruim isso. Merda de filme.

Certo, seja eu menos orgânica. O filme é ilógico, surreal, sem tempo. Pôs toda loucura e obsessão num espaço curtíssimo do filme, o que deu densidade de chumbo a esses tormentos e à situação que os envolve. E isso após longa e controlada tensão.

Não entendi porra nenhuma do filme.