terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Inércia

Ele estava sentado em baixo da escada, abraçando as canelas, joelho na altura do peito. Estava respirando, cabelos cacheados, barriga de tempos em tempos tocando na coxa. O problema, o que o esperava, era sentir a hora de levantar. Ia pensando, cabeça com caracóis de lado.

O problema é ele precisar ter vontade, as coisas terem tantas delícias, as pessoas terem tantas palavras, as bocas tantas salivas. O problema, mesmo, é o pé ficar dormente. Aí ele levantava.

É... levantava sem nada que pudesse ser adiado. Tudo era para ter sido feito, pelo menos desde a manhã. Foda-se. Colocava a mão no bolso e saía, o que era muito bom. A merda é que a mão não cabe no bolso por inteiro.

A ingenuidade dele, a burrice, é ele imaginar que era um personagem, igual ao personagem de um livro que leu e detestou. Na casa dele não tem nem escada, ora.

Aí ele foi para a despensa. Estava mesmo precisando de penumbra e solidão. E o desgraçado nem sabia disso. Um tolo que nem sabia. Ser no escuro é a melhor coisa que tem, é um prazer contínuo e contido, ou um dos dois. O negócio é ser devagazinho. E o escuro não deixa ver o que já foi riscado. É estimulante.

Ele com a mão no bolso, enfim, estava muito bem para quem precisa respirar. É certo que se escondia deveras, principalmente quando tinha que sair a sol pleno. Mas surpreendentemente ele aprendeu que, se se concentrasse na bendita respiração, ele até podia passar incólume.
.
[cadê o final?]

Nenhum comentário: